Autor: Omar Augusto Leite Melo

Artigo elaborado para o VII Congresso Brasileiro de Gestão Tributária na Administração Pública – GTAP, ocorrido nos dias 16 e 17 de novembro de 2023, em Salvador/BA. Todos os direitos autorais reservados ao autor.

 

1 INTRODUÇÃO

A atividade de locação de bens móveis possui histórico e contornos peculiares no que diz respeito aos seus impactos tributários, a começar pela própria caracterização ou natureza jurídica do contrato, quando se questiona a incidência, ou não, do imposto municipal sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN).

A locação de bens móveis é prestação de serviço? Eis a primeira pergunta que a doutrina tributária e a jurisprudência precisaram enfrentar.

Ainda que bem demorada, a resposta veio do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de que a locação de bens móveis não configura prestação de serviço por se tratar de uma obrigação “de dar”, e não uma obrigação “de fazer”, logo, sem a incidência do ISSQN.

Uma vez ultrapassada essa questão nuclear em torno da natureza jurídica do contrato de locação de bens móveis, vários outros desdobramentos fiscais foram trazidos ao Judiciário, ou melhor, várias “teses filhotes” foram defendidas pelos contribuintes na tentativa de estender a não incidência do ISSQN sobre atividades similares ou que também possuem alguma etapa, obrigação “de dar” ou fatia de locação de bens móveis em seus negócios, como leasing, franchising, licenciamento de software (padronizado e por encomenda), planos de saúde, manipulação de medicamentos, hospedagem e, mais ainda, todos aqueles “serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres” tipificados no item 3 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.

Paralelamente a todas essas novas discussões voltadas a outras atividades “parecidas”, o próprio contrato de locação de bens móveis também continuou a ser objeto de discussões tributárias, quando associados a uma prestação de serviços. Ou seja, quando o contrato de locação de bens móveis não se resumir a uma mera obrigação “de dar” (v.g., simples locação de um veículo, mero aluguel de um equipamento), mas também envolver um serviço associado à locação (v.g., a locação de um equipamento acompanhada de um operador), várias perguntas surgem: haverá incidência do ISSQN sobre todas as atividades, ou seja, a locação de bens móveis restará totalmente descaracterizada? Ou o ISSQN incidirá apenas sobre o “pedaço” do serviço, mantendo a não incidência na parte relativa à locação?

Talvez, a questão crucial dessa nova discussão seja: é possível essa divisão de contratos de locação de bens móveis e de prestação de algum serviço, de tal forma que o ISSQN incida apenas sobre essa parte de serviço? Em caso afirmativo, é necessário responder: em que casos ou hipóteses isso seria possível? Como ratear e segregar o aluguel (não tributados pelo imposto municipal) das demais remunerações decorrentes dos serviços?

Nesse ensaio, pretende-se enfrentar essas questões, a partir de uma investigação jurisprudencial, a começar pelo STF, passando pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e demais tribunais de justiça estaduais (TJ’s). Por praticidade, foi dispensada a pesquisa doutrinária acerca do tema, uma vez que acabou sendo apurada uma pacificação jurisprudencial em favor da possibilidade de uma divisão de contratos, com incidência do ISSQN apenas sobre a remuneração do serviço associado, mantendo-se intacta a não incidência do imposto municipal sobre a locação de bens móveis, desde que cumpridos alguns requisitos definidos pelo STF no Agravo Regimental na Reclamação nº 14.290-AgR, rel. Min. Rosa Weber, julgado por unanimidade pelo Plenário do STF em 22/05/2014.

Além desses reflexos relativos ao ISSQN, a locação de bens móveis associada à prestação de serviços também traz impactos no âmbito do Simples Nacional, seja no que diz respeito ao próprio afastamento da alíquota do ISS (Anexo III da Lei Complementar nº 123/2006 sem a alíquota do ISSQN), mas também na possibilidade dessa “combinação de negócios” (locação e serviço) implicar em fornecimento de mão de obra, logo, atividade vedada ao regime tributário especial para microempresas e empresas de pequeno porte, consoante artigo 17, inciso XII, da LC 123 (Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou empresa de pequeno porte: (…) XII – que realize cessão ou locação de mão-de-obra).

Neste sentido, também se buscou soluções de consultas respondidas pela Receita Federal do Brasil (RFB), a fim de verificar o alinhamento, ou não, do Fisco Federal com a posição sufragada pelo STF.

Ademais, tendo em vista a recente ampliação na retenção do imposto de renda (IRRF) quando a fonte pagadora for órgão público municipal ou estadual, nos termos da Instrução Normativa RFB nº 2.145/2023 (que alterou a IN RFB nº 1.234/2012), também será enfrentada a possibilidade de incidência do IRRF sobre os contratos de locação.

Por fim, o presente trabalho também traz um breve comentário sobre o futuro dessa combinação de negócios à luz da chamada Reforma Tributária (PEC 45/2019), quando (se), uma vez definitivamente aprovada no Congresso Nacional, tanto a locação de bens móveis como os serviços associados estarão normalmente sujeitos ao “IVA/Dual”, é dizer, ao imposto sobre bens e serviços (IBS) – substituto dos atuais impostos ICMS e ISSQN , e à contribuição sobre bens e serviços (CBS) – substituta das atuais contribuições federais do PIS e da COFINS. Ainda, dependendo do tipo do bem alugado, ainda poderá haver a incidência do imposto seletivo (IS), caso seja um bem prejudicial à saúde ou ao meio ambiente.

Portanto, pretende-se trazer, inicialmente, um breve histórico sobre a tributação do ISS sobre a locação de bens móveis, seus reflexos e marcos temporais, legislativos e jurisprudenciais; na sequência, será apresentado o resultado da pesquisa de acórdãos no STF (sobretudo do AgR 14.290) e sua adoção tanto pelo STJ como pelos TJ’s. Além dos aspectos tributários referentes ao ISS, também será tratado dos reflexos dessa combinação de negócios (locação e serviços) no Simples Nacional e na retenção do IRRF. Para finalizar, serão apresentados breves considerações sobre os novos tributos previstos na Reforma Tributária (IBS, CBS e IS) que incidirão sobre a locação de bens móveis, tanto no seu formato “puro” (só locação), como também combinada a algum tipo de serviço (locação associada à prestação de serviço).

 

2 HISTÓRICO

Já na redação original do Decreto-lei nº 406/1968 (primeira “norma geral” do ISSQN), a locação de bens móveis estava tipificada na lista de serviços sujeitos ao imposto municipal:

        1. Locação de bens móveis, inclusive arrendamento mercantil.

Todavia, somente depois de mais de 30 anos, em 11/10/2000, numa votação apertada entre os ministros (6×5), o Plenário do STF enfrentou diretamente essa tributação, decidindo pela inconstitucionalidade da cobrança do ISSQN sobre a locação de bens móveis, sob o fundamento de que o conceito (constitucional) de prestação de serviços pressupõe uma obrigação “de fazer”; como a locação de bens móveis é um exemplo de contrato cuja obrigação é “de dar” (ceder o uso), o ISS restaria afastado.

Eis a ementa desse julgado do STF, que certamente é um marco jurisprudencial para esse caso específico do ISSQN sobre locação de bens móveis:

TRIBUTO. FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. Imposto Sobre Serviços. Contrato de locação. A terminologia constitucional do Imposto Sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil/1916, cujas definições são de observância inafastável — art. 110 do CTN/1966. (RE-116.121, rel. min. Octavio Gallotti, red. p/ o ac. min. Marco Aurélio, P, j. 11-10-2000, DJ de 25-5-2001).

 

Como se sabe, em 2003 foi editada a Lei Complementar nº 116, atual norma geral (nacional) do ISSQN que revogou o Decreto-lei nº 406/68 (com exceção do seu art. 9º), trazendo uma nova e mais ampla lista de serviços submetidos ao ISSQN. No processo legislativo que tramitou e foi aprovado no Congresso Nacional, constou no subitem 3.01 da lista a “locação de bens móveis”.

Porém, esse subitem foi vetado pelo presidente, sob fundamento da inconstitucionalidade dessa cobrança, exatamente por conta do acima referido RE 116.121 julgado pelo STF em 2000:

Verifica-se que alguns itens da relação de serviços sujeitos à incidência do imposto merecem reparo, tendo em vista decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. São eles:

O STF concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto por empresa de locação de guindastes, em que se discutia a constitucionalidade da cobrança do ISS sobre a locação de bens móveis, decidindo que a expressão “locação de bens móveis” constante do item 79 da lista de serviços a que se refere o Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987, é inconstitucional (noticiado no Informativo do STF no 207). O Recurso Extraordinário 116.121/SP, votado unanimemente pelo Tribunal Pleno, em 11 de outubro de 2000, contém linha interpretativa no mesmo sentido, pois a “terminologia constitucional do imposto sobre serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprios, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável.” Em assim sendo, o item 3.01 da Lista de serviços anexa ao projeto de lei complementar ora analisado, fica prejudicado, pois veicula indevida (porque inconstitucional) incidência do imposto sob locação de bens móveis. (…)

            Assim, pelas razões expostas, entendemos indevida a inclusão destes itens na Lista de serviços. (Mensagem nº 362, de 31/07/2003)

 

Mais adiante, em fevereiro de 2010, o STF reforçou tal entendimento de que locação de bens móveis não configura prestação de serviços, logo, está fora do alcance do ISSQN, através da Súmula Vinculante nº 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”.

Meses depois, em setembro de 2010, o Plenário do STF retornou a declarar a não incidência do ISSQN sobre a locação de bens móveis, mas agora com um destaque relevante, ao definir o tema 212 com repercussão geral: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre operações de locação de bens móveis, dissociada da prestação de serviços”. Note-se, portanto, que o STF ressalvou que a não incidência do ISSQN se aplicaria apenas à locação de bens móveis não associada a uma prestação de serviços.

Portanto, ficou ainda em aberto a tributação do ISSQN na hipótese em que a locação de bens móveis estivesse combinada com alguma prestação de serviços. O serviço associado atrairia a incidência do ISSQN sobre todo o valor do contrato (logo, com o aluguel), ou apenas sobre a parcela relativa à remuneração do serviço, mantendo intacta a não incidência do ISSQN sobre o aluguel?

Essa polêmica somente seria tratada nos anos seguintes, especialmente com a decisão proferida pelo Plenário do STF no Agravo Regimental na Reclamação nº 14.290, v.u., julgado em 22/05/2014, como será detalhadamente estudado na sequência.

Antes, porém, vale a pena comentar que os fundamentos trazidos pelos ministros do STF em prol da declaração de não incidência do ISSQN sobre a locação de bens móveis (= ausência de obrigação “de fazer”) abriu novas discussões em torno de atividades econômicas previstas na atual lista de serviços do ISSQN (anexa à LC 116/2003) em que a obrigação “de fazer” não é, digamos assim, tão nítida ou evidente, guardando similitudes ou proximidades com a locação de bens móveis. Ainda, há atividades que são prestadas “mediante locação”, que constam na atual lista anexa à LC 116. Obviamente, esses empresários passaram a buscar judicialmente essa mesma declaração de inconstitucionalidade na cobrança do ISSQN para suas atividades que compreendem “obrigações de dar”, algo que foi sendo rechaçado pelo STF ao longo dos anos.

Portanto, ao contrário até do que se esperava na doutrina e até mesmo por vários órgãos judiciais de primeira e segunda instâncias dos judiciários estaduais, o STF refutou a aplicação desses precedentes (RE 116.121; SV 31, tema 212 com repercussão geral) para todas essas outras atividades, legitimando, pois, a tributação do ISS, a saber: leasing (RE 592.905, tema 125 com repercussão geral, j. 12/2009), plano de saúde (RE 651.703, tema 581 com repercussão geral, j. 09/2016), franquia (RE 603.136, tema 300 com repercussão geral, j. 05/2020), exploração de jogos e apostas (RE 634.764, tema 700 com repercussão geral, j. 06/2020), farmácia de manipulação (RE 605.552, tema 379 com repercussão geral, j. 08/2020), software (RE 688.223, tema 590 com repercussão geral, j. 12/2021), locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza (ADI 3142, j. 08/2020), cessão de uso de espaço em cemitério (ADI 5869, j. 02/2023), hospedagem (ADI 5764, j. 10/2023).

Em razão desses precedentes do STF, é possível concluir que as atividades atualmente previstas na lista de serviços anexa à LC 116 dificilmente serão afastadas da tributação do ISSQN, tendo em vista essa postura restritiva do STF, no sentido de separar a atividade de mera locação de bens móveis (pura e simples) das demais atividades que comportam a locação como uma etapa ou atividade-meio.

 

3 LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS ASSOCIADA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS: ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA PELO STF

Ainda em 2010, a 2ª Turma do STF se deparou com um caso envolvendo essa combinação de locação de bens móveis com a prestação de serviço, no AI nº 758.697-AgR, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 06/04/2010, sinalizando sobre a possibilidade de coexistência entre a locação e serviço, limitando a incidência do ISSQN sobre a prestação de serviços. A decisão também traz a competência da Administração Tributária Municipal para investigar e, se for o caso, separar as receitas. No caso em tela, o contribuinte separou formalmente os contratos e os respectivos valores, merecendo a presunção de veracidade dos referidos contratos e valores segregados:

Ocorre que a caracterização de parte da atividade como prestação de serviços não pode ser meramente pressuposta, dado que a constituição do crédito tributário é atividade administrativa plenamente vinculada, que não pode destoar do que permite a legislação (proibição do excesso da carga tributária) e o próprio quadro fático (motivação, contraditório e ampla defesa). (…) Assim, as autoridades fiscais não estão impedidas de exercer plenamente as faculdades que lhes confere a legislação para identificar precisamente quais receitas referem-se à prestação de serviços e quais receitas referem-se à isolada locação de bens móveis. (trecho do voto do Min. Joaquim Barbosa).

 

Em 14/02/2012, no ARE 656.709-AgR, a 2ª Turma do STF voltou a analisar outro caso, também sob relatoria do Min. Joaquim Barbosa, cuja ementa restou assim redigida:

        1. A Súmula Vinculante 31 não exonera a prestação de serviços concomitante à locação de bens móveis do pagamento do ISS. 2. Se houver ao mesmo tempo locação de bem móvel e prestação de serviços, o ISS incide sobre o segundo fato, sem atingir o primeiro. 3. O que a agravante poderia ter discutido, mas não o fez, é a necessidade de adequação da base de cálculo do tributo para refletir o vulto econômico da prestação de serviço, sem a inclusão dos valores relacionados à locação. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

 

Nota-se que, novamente, foi admitida a combinação de um contrato de locação com prestação de serviço, incidindo o ISS apenas sobre o serviço, e não sobre a locação. Todavia, diferente do caso anterior, o contribuinte (locador de guindaste com operador) não separou formalmente os contratos e respectivos valores, logo, impossibilitando a segregação da base de cálculo do ISS, de tal forma que o imposto municipal incide sobre o valor total do contrato.

O assunto viria a ser encerrado neste mesmo sentido pelo Plenário do STF no Agravo Regimental na Reclamação nº 14.290, julgado por unanimidade em 22/05/2014, que deixou bem claro a possibilidade dessa combinação de negócios, com incidência do ISSQN tão-somente sobre a parte relacionada à prestação de serviços, logo, preservando-se a não incidência sobre a locação de bens móveis. Importante destacar que esse julgado se tornou a principal referência para o tratamento desses casos, tanto no STF, como no STJ e nos TJ’s. Segue sua ementa:

A Súmula Vinculante 31, que assenta a inconstitucionalidade da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) nas operações de locação de bens móveis, somente pode ser aplicada em relações contratuais complexas se a locação de bens móveis estiver claramente segmentada da prestação de serviços, seja no que diz com o seu objeto, seja no que concerne ao valor específico da contrapartida financeira. Hipótese em que contratada a locação de maquinário e equipamentos conjuntamente com a disponibilização de mão de obra especializada para operá-los, sem haver, contudo, previsão de remuneração específica da mão de obra disponibilizada à contratante. Baralhadas as atividades de locação de bens e de prestação de serviços, não há como acolher a presente reclamação constitucional. Agravo regimental conhecido e não provido. [os destaques em itálicos não constam no texto original]

 

Portanto, o STF pacificou a possibilidade da existência e validade do negócio combinado de locação de bens móveis e prestação de serviços, devendo incidir o ISSQN apenas sobre a prestação de serviços, mas, desde que haja “claramente” uma separação entre os dois objetos contratuais e, também, uma identificação específica na contrapartida financeira de cada objeto contratual, ou seja, que haja previsão expressa e clara do valor do aluguel (não tributado pelo ISSQN) e do valor da remuneração do serviço (sujeito ao ISSQN). Vale frisar que não há uma necessidade de duplo instrumento contratual (dois documentos distintos), mas apenas que haja previsão contratual do objeto de locação e, também, da prestação de serviço associada, com a devida segregação dos valores do aluguel (retribuição da locação) e da remuneração do serviço.

No caso em concreto analisado no AgReg na Rcl nº 14.290, que envolveu a locação de maquinário e equipamentos conjuntamente com a disponibilização de mão de obra especializada para operá-los, o contribuinte (uma construtora) não se desincumbiu do ônus da prova, uma vez que as atividades de locação e de prestação de serviços estavam “baralhadas”, isto é, misturadas, impedindo, pois, a identificação e separação do que era locação e do que era prestação de serviço; por conseguinte, não foi possível diferenciar o aluguel da remuneração do serviço. Como consequência, a solução recai para a incidência total do ISSQN.

A partir desse paradigma jurisprudencial, o STF sempre manteve tal entendimento, variando os resultados apenas de acordo com cada caso em concreto, ou seja, dependendo se o contribuinte distinguiu claramente, ou não, as atividades e respectivas contrapartidas financeiras.

No ARE 745279-AgR, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, j. em 05/2014, que tratou de um caso em que o tribunal de justiça de origem entendeu que não havia uma autêntica locação de bens móveis, mas sim um serviço de guarda e proteção de veículos:

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Tributário. ISS. Natureza da atividade. Reexame de fatos e provas, da legislação infraconstitucional e do contrato social. Súmulas nºs 279 e 454/STF. 1. O Tribunal de origem consignou que prevalece, no caso, o serviço de guarda e proteção de veículos de terceiros, não constituindo a atividade da recorrente mera locação, razão pela qual estaria sujeita à incidência do ISS. 2. Para ultrapassar o entendimento do Tribunal a quo e acolher a alegação da recorrente, seria imprescindível o revolvimento do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação ordinária e das cláusulas contratuais. Incidência das Súmulas nºs 279 e 454/STF.

 

No RE 955507-AgR, rel. Min. Edson Fachin, 1ª Turma, j. em 09/2016, os fatos envolviam o contrato nº 060/2008, celebrado entre um Município e uma empresa, em que “que esta se comprometeu a locar tendas e montá-las, sendo claro que tal serviço é diverso da locação, havendo, portanto, fato do ISSQN”. Logo, constatou-se que eventual divergência ao entendimento adotado pelo tribunal (indivisibilidade do contrato) demandaria o reexame de fatos e provas:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS COM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CONTRATO MISTO. (…) 2. A qualificação jurídica dos serviços de montagem de tendas cinge-se ao âmbito infraconstitucional, inclusive de índole local. Súmulas 279 e 280 do STF. (…)

 

No ARE 1249080-AgR, rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, j. em 04/2020, foi mantida decisão do TJRN que reconheceu a locação e manutenção de banheiros químicos, mantendo a incidência do ISS apenas pelos serviços, uma vez aferido que não houve confusão ou baralhamento de objetos contratuais e respectivas contrapartidas financeiras, valendo a pena transcrever trecho do acórdão proferido pelo tribunal potiguar transcrito na decisão do STF:

LOCAÇÃO E MANUTENÇÃO DE BANHEIROS QUÍMICOS. SÚMULA VINCULANTE N° 31 – STF. APLICABILIDADE. CONTRATOS MISTOS, COMPLEXOS OU HÍBRIDOS. AUSÊNCIA DE CONFUSÃO OU BARALHAMENTO DE OBJETOS CONTRATUAIS. ATIVIDADE DE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS QUE NÃO SE CONFUNDE COM A DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INCIDÊNCIA APENAS PARCIAL DO FENÔMENO TRIBUTÁRIO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO NESTE PONTO.

 

No ARE 1.380.035-AgR, rel. Min. Alexandre de Moraes, 1ª Turma, j. em 10-2022, o objeto do contrato firmado pelas empresas foi, de acordo com a apreciação fática do TJRJ, de prestação de serviços de movimentação de placas de aço, com a utilização de dois guindastes, estando a locação de bens móveis a ela interligada (ou misturada, baralhada). Este caso envolveu a responsabilização da tomadora do serviço (Companhia Siderúrgica Nacional):

AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ISS SOBRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. TEMA 212 E SÚMULA VINCULANTE 31. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. FATOS E PROVAS. SÚMULA 279/STF. (…) 3. No caso concreto, o Tribunal de origem, com base nos fatos e provas constantes dos autos, concluiu que a locação não está dissociada da prestação de serviços – muito pelo contrário, entendeu que estão interligadas, por isso há incidência do ISSQN.

 

No ARE 1.420.065-AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, j. em 04/2023, o caso também envolveu a Companhia Siderúrgica Nacional (contra o Município de Volta Redonda), com análise final dos fatos pelo TJRJ de que as atividades de locação de empilhadeiras e de serviço de movimentação de produtos estavam interligadas (fundidas, baralhadas) e não claramente separadas, logo, com tributação total do ISSQN, sem o destaque do (inexistente) aluguel. Aqui, também convém transcrever trecho do acórdão do tribunal fluminense, constante na decisão do STF:

“8. O objeto do contrato firmado pelas empresas foi de prestação de serviços de movimentação de produtos com a utilização de empilhadeiras, estando a locação de bens móveis a ela interligada. 9. A súmula vinculante 31 do Supremo Tribunal Federal assenta a inconstitucionalidade da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) nas operações de locação de bens móveis, que somente pode incidir nas relações contratuais complexas se a locação de bens móveis estiver claramente segmentada da prestação de serviços.

 

Destarte, conclui-se pela pacificação no STF acerca da possibilidade de separação entre locação de bens móveis e prestação de serviços, com incidência do ISSQN apenas na parte afeta ao serviço (decotando-se a operação de locação), desde que claramente identificados e separados os objetos contratuais e respectivas contrapartidas financeiras (aluguel e remuneração do serviço). Na ausência dessa clareza, a tributação do ISSQN incidirá sobre o valor total. Por envolver uma análise casuística de cada fato (cada contrato, cada documento contratual), essa avaliação (matéria de fato) termina nos tribunais de justiça, não cabendo revisão de fatos no STF.

 

3.1 ALINHAMENTO DO STJ À POSIÇÃO DO STF

E no Superior Tribunal de Justiça, como os ministros vêm decidindo sobre esse tema polêmico? De acordo com os precedentes pesquisados, percebe-se que há um alinhamento do STJ ao entendimento do STF, no sentido de admitir a possibilidade de segregação entre locação de bens móveis (sem ISSQN) e prestação de serviços (com ISSQN), desde que claramente estabelecido e previsto em contrato.

Além de focar no objeto contratual (divisão clara entre locação e serviço) e na contrapartida financeira (aluguel e remuneração do serviço), o STJ também vem chamando a atenção para o objeto social da sociedade empresária, no sentido de que analisar também o contrato social ou estatuto social, conforme o tipo societário da sociedade.

Neste sentido, o REsp n. 1.676.519, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. em 9/2017, que analisou um caso em que foram celebrados dois instrumentos contratuais separados: um de locação e outro de prestação de serviços de operação e manutenção de pás carregadeiras, retroescavadeiras, tratores e caminhões basculantes para limpeza de baias e transporte de sedimentos, na Mineração Casa de Pedra, em Congonhas/MG. Sobre o serviço, a empresa emitiu a nota fiscal de prestação de serviços e recolheu o ISS, excluindo a locação. O STJ admitiu essa segregação contratual (dois contratos diferentes), que também se mostrava compatível com o objeto social da sociedade empresária:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OBJETO SOCIAL DO CONTRATO DA EMPRESA. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. NÃO INCIDÊNCIA DO ISSQN. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. APRECIAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SÚMULA 5/STJ. 1. No caso dos autos, a Corte local expressamente consignou que, pela análise do contrato social da empresa e dos contratos de locação firmados, os valores recebidos pela ora recorrida pelo fornecimento dos objetos dos contratos são totalmente destacados para a locação de bens móveis, razão pela qual não ocorre a incidência do ISSQN.

 

No REsp n. 1.631.000, rel. Min. Og Fernandes, 2ª Turma, j. em 11/2017, também foi acatado o comportamento contratual do contribuinte que, segundo o TJ/ES, desenvolve atividade empresarial voltada essencialmente para a locação de máquinas e equipamentos, mas possibilita ao locatário, também, a contratação apartada de serviço de mão de obra especializada para a operação dos bens alugados, conforme se depreende da leitura da cláusula quarta do contrato social da empresa:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. SOCIEDADE QUE EXERCE ATIVIDADE MISTA DE LOCAÇÃO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema, afirmando que “a Súmula Vinculante 31, que assenta a inconstitucionalidade da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS nas operações de locação de bens móveis, somente pode ser aplicada em relações contratuais complexas se a locação de bens móveis estiver claramente segmentada da prestação de serviços, seja no que diz com o seu objeto, seja no que concerne ao valor específico da contrapartida financeira” Rcl 14.290/ AgR/DF, Rel. Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe 20/6/2014. 2. O Tribunal de origem, soberano na análise das provas, afirmou que a sociedade recorrida exerce atividade mista de locação de maquinário e prestação de serviço, pelo que o imposto somente deve incidir sobre esta última atividade.

 

No AgInt no AREsp n. 1.144.760, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, j. em 4/2019, o TJ/MA verificou que o contrato não espelhava a existência de uma locação pura e simples de bens móveis; pelo contrário, demonstrava claramente a existência de prestação de serviços junto à locação do maquinário: “as aludidas cláusulas dão conta de que as máquinas serão locadas com os operadores, equipes de apoio, motorista para transporte das peças, pessoal de apoio administrativo e operacional”. Ao final, o tribunal maranhense afastou a tributação “parcial” (sem o aluguel), diante da ausência de clareza e separação no contrato. Diante desse panorama fático, o STJ manteve a decisão do TJ/MA, uma vez alinhada com a posição do STF:

III. O Tribunal de origem concluiu, à luz dos contratos firmados pelas empresas e dos demais elementos probatórios, que não houve mera locação de bens móveis, mas, também, prestação de serviços, fato suscetível de incidência de ISS. Decidiu, ainda, que, “para que o tributo incida apenas sobre a prestação dos serviços, é necessário que a locação esteja claramente segmentada da prestação de serviços, seja no que se refere ao seu objeto, seja quanto ao valor da contrapartida financeira, fato que não ocorre no caso dos autos”. Assim, a inversão do julgado exigiria, inequivocamente, interpretação de cláusulas contratuais e incursão na seara fática dos autos, providências vedadas, em Recurso Especial, nos termos das Súmulas 5 e 7/STJ.

 

No AgInt no REsp n. 1.889.641, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. em 12/2020, ratificou acórdão proferido pelo TJ/RJ que, baseado nos fatos e provas constantes nos autos, verificou-se que, por meio da Secretaria Estadual de Educação, uma sociedade empresária e o Estado do Rio de Janeiro celebraram o contrato administrativo para executar os serviços de locação de aparelhos de ar-condicionado. Também foi verificado que a empresa tinha como objeto social, entre outros, a locação de aparelhos de ar-condicionado de janela de todas as capacidades, locação de aparelhos de ar condicionado Split de todas as capacidades e locação de ar condicionado central com refrigeração a ar e a água de todas as capacidades com assistência técnica e manutenção de todos os aparelhos acima descritos. Todavia, o Fisco municipal autuou a empresa a título de ISSQN sobre o valor total do contrato (sem qualquer dedução de aluguel), por captar a existência de prestação de serviços juntamente com a locação de aparelhos de ar-condicionado.

No final, o TJ/RJ decidiu, na questão de fato, que a empresa “demandante não se desincumbiu do onus probandi, tal como lhe competia”, uma vez que “deixou de apresentar provas mais contundentes sobre a alegada locação simples de bens móveis, a afastar a incidência da exação”. Dessa forma, uma vez demonstrado “tratar-se de locação mista de bens móveis, evidenciada a concomitante prestação de serviços de manutenção dos equipamentos de ar-condicionado”, não se há de falar em nulidade do lançamento tributário.

No AgInt no REsp n. 1.884.275, rel. Ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, j. em 9/2022, foi mantida decisão do TJ/CE que determinou a tributação total do ISSQN, por reconhecer que a atividade não se tratava de locação de bens móveis, mas sim de serviços de guarda, vigilância, segurança, escolta armada, monitoramento de bens e assistência técnica, de acordo com o próprio contrato social da empresa e com os contratos celebrados com os clientes:

V – Ao Tribunal de origem foi dado conhecer, pelos elementos de prova pré-constituída apresentados na ação mandamental, que: “[…] Não obstante os bem lançados argumentos recursais, verifico que a atividade principal de locação de bens móveis e equipamentos em geral desenvolvida pelas empresas não configura mera locação, pois constitui contrato atípico em que há inclusão dos serviços de guarda, vigilância, segurança, escolta armada, monitoramento de bens e assistência técnica, conforme previsto no contrato social (páginas 37/38, 52 e 70) (fl. 476).[…]”. VI – Pela análise que fez, a Corte do Estado concluiu que as impetrantes prestam serviços descritos na listagem anexa à Lei Complementar n. 116/2003, conforme os “itens 11, 11.02, 11.03 e 14.02”. O acórdão assinala que: “[…] A realidade fática demonstra que essas atividades se associam/confundem, estando supervisionadas por todo um aparato de empregados e equipamentos que são disponibilizados para os clientes das recorrentes, não se limitando, portanto, à locação pura, isto é, simples fornecimento de bens. […]”. VII – Tais conclusões, ao mesmo tempo que alinham o entendimento da Corte Estadual à jurisprudência desta Corte superior, impedem, pelo substrato fático em que se assentam, que se possa avançar na análise da pretensão recursal, ante o óbice da Súmula n. 7/STJ.

 

Por fim, no AgInt no REsp n. 1.855.403, rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, j. em 6/2023, manteve-se acórdão do TJ/DF que reconheceu a existência segregada de contrato de locação de equipamentos de informática e de prestação de serviços:

        1. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior não incide o ISSQN sobre os serviços caracterizados como atividade-meio, assim entendidos aqueles necessários à realização da atividade-fim (…). 4. No caso dos autos, houve a locação dos equipamentos de informática e a prestação dos serviços, o que, em tese, pode permitir a tributação, caso os serviços sejam prestados de forma autônoma, ainda que acessórios à locação, e assim remunerados. 5. Nos termos do art. 1º da LC n. 116/2003, “o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador”. E o item 1.07 da lista anexa elenca: “Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados”. 6. Na hipótese específica dos autos, em se tratando de locação de equipamentos de informática, por mais complexa que seja a instalação, esta não é inerente ao contrato. A manutenção dos computadores locados e a assistência técnica respectiva, de igual modo, não compõe o contrato de locação nem é necessária a seu aperfeiçoamento, ficando a cargo dos contratantes estabelecer as regras pelas quais ou por quem será realizada. 7. Portanto, mantém-se o provimento parcial do recurso do Distrito Federal para abrir a possibilidade de incidência do ISSQN apenas sobre os serviços de instalação, manutenção e assistência técnica relacionados à locação dos equipamentos de informática. Fica vedada a incidência do imposto sobre o valor da locação dos equipamentos. Necessário o retorno dos autos à origem para aferir qual a extensão correta da base de cálculo a ser utilizada para sua incidência.

 

Além do STJ adotar a posição consagrada pelo STF, vale a pena destacar a importância da análise casuística de cada fato (cada negócio), de competência dos tribunais estaduais de justiça.

 

3.2. ALINHAMENTO DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA À POSIÇÃO DO STF

Da mesma forma que o STJ, nas pesquisas formuladas nos sites dos tribunais estaduais de justiça, percebe-se que também há o respeito aos precedentes do STF, em prol da possibilidade de uma locação de bens móveis associada à prestação de serviços, incidindo apenas o ISSQN na parte dos serviços, desde que claramente definidos e separados os objetos contratuais e respectivas remunerações.

No TJ/SP, seguem, primeiramente, decisões que levaram à tributação total do negócio pelo ISSQN, diante da falta de clareza acerca da segregação de atividades e respectivas remunerações ou, ainda, em virtude do baralhamento das atividades:

A relação contratual existente entre as partes é complexa e compreende variadas formas de prestação de serviços (v.g. assistência técnica, reposição de peças, instalação dos equipamentos e softwares, etc.), bem como a locação de equipamentos que, todavia, não está claramente segmentada da prestação de serviços (tanto que o pagamento é único), tornando devida a incidência do ISSQN sobre a remuneração do contratado”. (…) Relevante verificar se no caso concreto a locação dos equipamentos está dissociada da prestação de serviços – Na hipótese, analisando a documentação juntada aos autos, esta Câmara concluiu pela possibilidade da incidência do ISSQN justamente porque a locação não está dissociada da prestação de serviços. (TJ/SP, Apelação/Remessa Necessária nº 1001206-19.2021.8.26.0609; Rel. Fernando Figueiredo Bartoletti; 18ª Câmara de Direito Público; j. 10/2023).

[…] LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (embarcação e equipamentos) como atividades-meio, para a prestação do serviço nuclear contratado (derramamento e reparação de vazamentos de óleo) – Incidência do ISSQN – Legalidade e constitucionalidade – Item 7.21 da lista legal federal – Súmula Vinculante nº 31 do E. STF inaplicável à espécie. (TJSP, Apelação Cível 1006159-07.2020.8.26.0562; Rel. Silva Russo; 15ª Câmara de Direito Público; j. 23/06/2022).

 

Por outro lado, o TJ/SP também julgou favorável a postura de contribuintes que conseguiram demonstrar a separação entre o contrato de locação e o contrato de prestação de serviços, restringindo a incidência do ISSQN somente sobre a prestação de serviço:

[…] LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS CONJUGADA COM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – Quando há prestação de serviços cumulada com a locação de bens móveis a incidência do ISS é cabível, mas somente sobre a parcela referente aos serviços, que deve estar discriminada da parcela referente à locação– Precedente do E. Supremo Tribunal Federal e deste E. Tribunal de Justiça. No caso dos autos, a autora celebrou com o Município de Mogi das Cruzes contrato objetivando a locação de equipamentos, montagem e instalação de hospital de campanha destinado ao combate da COVID-19 (fls. 71/77) – Na proposta de fls. 64/70 consta a composição do preço do contrato, com a discriminação dos valores referentes aos materiais, à locação dos equipamentos e aos serviços de instalação, montagem e gestão do projeto, , consoante planilha de fls. 68. No caso, a locação de bens móveis está devidamente discriminada da prestação de serviços, tanto no objeto do contrato (fls. 71, cláusula primeira) quanto na composição do preço (fls. 68) – Valores que devem ser deduzidos da base de cálculo do ISS, que deve incidir somente sobre as efetivas prestações de serviços. (TJSP; Apelação Cível 1017253-36.2021.8.26.0361; Rel. Eurípedes Faim; 15ª Câmara de Direito Público; j. 14/12/2022).

[…] Os documentos acostados aos autos revelam que a autora celebrou junto a diversas empresas contratos de locação de equipamentos e máquinas (sem operador). Em aludidas notas fiscais não há referência ou menção acerca da prestação de serviço ou fornecimento de mão de obra para operar o maquinário objeto das locações; quanto à descrição da atividade consta apenas a expressão “locação”. O laudo produzido por expert da confiança do juízo concluiu que a cobrança do tributo se deu com base apenas na locação de bens móveis. (…) Acerca da alegação de que a empresa autora atua em conjunto com outra empresa, denominada JDB Terraplanagem, pertencente ao mesmo grupo familiar, cumpre salientar que ambas as empresas atuam em áreas distintas. O juízo, ao final, destacou também que ainda que a autora tivesse fornecido serviços de mão de obra, o ISS somente poderia ter incidência sobre o valor relativo à prestação de serviços e não sobre a locação de bens móveis, o que revela a nulidade do auto de infração objeto dos autos. Bem assim, o conjunto probatório e o laudo pericial são suficientes a demonstrar que o auto de infração é nulo, pois tratou da incidência de ISS sobre locação de equipamentos, o que não se admite. (TJSP, Apelação / Remessa Necessária 1005226-57.2018.8.26.0286; Rela. Beatriz Braga; 18ª Câmara de Direito Público; j.  03/06/2020)

 

No TJ/BA, a 4ª Câmara Cível, Apelação nº0003382-60.2011.8.05.0079, p. 12/06/2019, também seguiu a orientação do STF, ao afastar a tributação do ISSQN sobre a locação de andaimes cobrada separadamente do serviço de montagem e desmontagem:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ISS IMPOSTO –SOBRE SERVIÇOS. FATO GERADOR. ANDAIMES. LOCAÇÃO. BEM MÓVEL. NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA VINCULANTE Nº 31 – STF. APLICAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REFORMA. I – Enuncia a Súmula Vinculante nº 31 Supremo Tribunal Federal que “é inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços  de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”. II – Evidenciado que houve locação de andaimes e que foi cobrado, separadamente do locador, o serviço de montagem e desmontagem, o ISS incide tão somente sobre o valor desse serviço, devendo ser afastada a exigência do imposto sobre o valor da locação. III – Proferida a sentença de improcedência em desconformidade com a Súmula Vinculante nº 31, impõem-se o provimento do recurso e a sua reforma, para julgar procedentes os Embargos ofertados pela Apelante e extinguir a correspondente Execução Fiscal. RECURSO PROVIDO.

 

Tal como no julgado acima do TJ/BA, no TJ/RJ, Apelação nº 0003382-60.2011.8.05.0079, 4ª Câmara Cível, p. 12/06/2019, também de admitiu a separação entre a locação de andaimes e serviço de montagem e desmontagem:

[…] II – Evidenciado que houve locação de andaimes e que foi cobrado, separadamente do locador, o serviço de montagem e desmontagem, o ISS incide tão somente sobre o valor desse serviço, devendo ser afastada a exigência do imposto sobre o valor da locação.

 

Ainda no TJ/RJ, mais duas decisões favoráveis aos contribuintes:

(…) 20. Contudo, a controvérsia posta nos autos, decorre que do fato de que contrato de locação de bens móveis estaria associado à prestação de serviços, consistente no fornecimento de mão de obra de motoristas, no qual incide, este último, o imposto questionado (ISS). 21. Apesar de o Município defender que o ISS deve incidir no contrato na sua inteireza, ou seja, tanto sobre a locação quanto sobre a prestação de serviço, a pretensão não viceja. 22. O STF, ao analisar a Rcl 14.290-AgR, fixou entendimento no sentido de que a Súmula Vinculante 31 é aplicada aos contratos mistos na hipótese de a locação de bens móveis estiver claramente segmentada da prestação de serviços. 23. Conforme assentado pelo STF, nas hipóteses de relações contratuais complexas não há como incidir a Súmula Vinculante 31, devendo ser procedido o desmembramento do contrato para fins fiscais, passando a prestação de serviços a ser destacada na fatura e tributada à parte. 24. Portanto, quando há contrato de locação de móveis e, ao mesmo tempo, prestação de serviço, a locação de móveis continua não suportando o imposto, mas apenas a obrigação de fazer passará a ser fato gerador da obrigação tributária de ISS. (TJ/RJ, 8ª Câmara Cível, Apelação 0003740-64.2016.8.19.0045 – rela. Des(a). Mônica Maria Costa di Piero, j. 15/04/2021).

 

[…] Neste contexto, somente no contrato da NUCLEBRÁS verifica-se a anotação de custo pela prestação de serviço de montagem e frete. Noutro vértice, nos contratos com as empresas NOVA SANTA LUZIA ENGENHARIA LTDA e META FORMAS E ESCORAMENTOS LTDA, não há previsão de custos pela prestação de serviço. Neste sentido, incabível a tributação, não se justificando a sua cobrança apenas por existir no contrato ou no estatuto social a possibilidade de realização de outras atividades pelo autor além da locação. Assim sendo, nos termos da Súmula Vinculante nº 31, a cobrança em relação a essas empresas é inconstitucional. No que tange as inconsistências aduzidas pela municipalidade em relação ao laudo pericial de fls. 358/376, não assiste razão ao recorrente. O expert bem analisou a questão posta à análise, respondendo os quesitos arguidos pelas partes, bem como se manifestando as fls. 394/395 431/432 no sentido de responder as impugnações ofertadas em relação ao documento. Deve ser acolhido o pleito da empresa recorrente para que seja adequada a base de cálculo do ISS, verificando-se sua incidência apenas sobre prestação de serviços do contrato com a NUCLEBRÁS. (TJ/RJ, 3ª Câmara Cível, Apelação 0435243-78.2013.8.19.0001, rel. Desa. Helda Lima Meireles, j. 27/11/2019).

 

Por outro lado, o TJ/RJ, 1ª Câmara Cível, Apelação 0031222-22.2016.8.19.0001, rel. Des. José Carlos Maldonado de Carvalho, j. 27/08/2020, determinou a tributação do ISSQN sobre o preço global do contrato, após entender que a separação dos contratos não estava clara:

DIREITO TRIBUTÁRIO. ISSQN. EMPRESA DO SETOR DE SERVIÇOS GRÁFICOS E IMPORTAÇÃO DE MÁQUINAS GRÁFICAS. LOCAÇÃO DE BENS MOVEIS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA. NÃO INCIDÊNCIA DA SUMULA VINCULANTE N 31 DO STF. NOTAS FISCAIS QUE NÃO DISCRIMINAM A LOCAÇÃO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. IMPOSTO INCIDENTE SOBRE O PREÇO GLOBAL. DECISÃO QUE INTEGRALMENTE SE MANTÉM. 1. do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS nas operações de locação de bens móveis, somente pode ser aplicada em relações contratuais complexas se a locação de bens móveis estiver claramente segmentada da prestação de serviços, seja no que diz com o seu objeto, seja no que concerne ao valor específico da contrapartida financeira. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

 

Nos demais tribunais de justiça, também se identificou o mesmo padrão de decisões conformes à orientação consolidada pelo STF. Somente não serão aqui citadas ou transcritas por uma questão de praticidade e porque não foram detectadas nenhuma particularidade nessas outras decisões que justificassem uma menção específica.

 

4 ENTENDIMENTO DA RFB EM SOLUÇÕES DE CONSULTA COSIT E DISIT

A Receita Federal do Brasil também foi acionada para responder consultas tributárias ligadas ao tema, como se depreende das Soluções de Consulta COSIT (Coordenação-Geral de Tributação) nº 145/2023 e nº 64/2014; e das Soluções de Consulta DISIT (Divisão de Tributação das Superintendências Regionais) nº 7253/2021, nº 9095/2018 e nº 1.032/2016, todas relacionadas a dúvidas de contribuintes optantes pelo Simples Nacional.

Tais contribuintes (consulentes) buscaram a posição oficial da RFB por receio de desenquadramento desse regime tributário favorecido, caso o serviço associado seja considerado como “fornecimento de mão de obra” ou, ainda, para fins de segregar as receitas com a exclusão do ISSQN.

Em todas as acima mencionadas soluções de consulta, a RFB admitiu a segregação de atividades e de bases, dentro dos parâmetros das decisões do STF e nos limites da consulta fiscal quanto à análise dos fatos.

Na Solução COSIT nº 145/2023, ficou evidente a adoção do posicionamento paradigmático trazido pelo STF no AgReg na Rcl nº 14.290, para um caso que envolvia a locação de bens conjugada com prestação de serviço de limpeza:

“Os contratos conjugados de locação de bens móveis e de prestação de serviço de limpeza que discriminam claramente o objeto e a contraprestação de cada atividade têm a receita da locação de bens móveis tributada na forma do Anexo III e a da prestação de serviço de limpeza tributada na forma do Anexo IV. Se esses contratos conjugados não fizerem essa discriminação de maneira clara, então todo o valor recebido pelas duas atividades é considerado receita de prestação de serviço de limpeza, que deve ser tributada na forma do Anexo IV”.

 

Já na Solução COSIT nº 64/2014, também se confirmou a viabilidade de locação de bens associada a uma prestação de serviço, com o alerta fiscal de que, se restar configurada a presença de um contrato de fornecimento de mão de obra, a microempresa ou empresa de pequeno porte não poderá aderir ou permanecer no “Supersimples” por se tratar de atividade legalmente vedada ao regime. Portanto, a divisão dos contratos pode implicar numa atividade impeditiva ao regime tributário especial para ME/EPP:

LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. FORNECIMENTO DE MÃO DE OBRA NECESSÁRIA À UTILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO SIMPLES NACIONAL. É assegurado à pessoa jurídica devotada a locar bens móveis, independentemente do fornecimento concomitante da mão de obra necessária à sua utilização, o direito de optar pelo sistema simplificado de pagamento de tributos denominado Simples Nacional, desde que ela não se enquadre em nenhuma hipótese legal de vedação da opção.

 

Na Solução DISIT nº 7253/2021, a RFB trouxe uma resposta sobre o cabimento da locação de veículo ser tratada independentemente do fornecimento de operadores (motoristas), ressalvando apenas que essa modalidade de combinação negocial pode eventualmente configurar uma locação de bem associada ao serviço de cessão de mão de obra, hipótese em que o contribuinte estaria excluído do Simples Nacional. Interessante perceber que essa interpretação fiscal, além de admitir tal associação entre locação de bens e serviço, acabou até destacando que essa ligação íntima entre o bem alugado e o operador (fornecimento do operador decorrente da locação) até serve para afastar a cessão de mão de obra:

LOCAÇÃO DE VEÍCULOS COM MOTORISTA. SERVIÇO DE TRANSPORTE COM CESSÃO DE MÃO DE OBRA. VEDAÇÃO. A Locação de bens móveis (p.ex., veículos) é permitida aos optantes pelo Simples Nacional, independente do fornecimento concomitante de operadores (p.ex., motoristas), desde que essa mão de obra seja necessária à sua utilização e a atividade não se enquadre em nenhuma das vedações legais à opção. Uma dessas vedações é a cessão de mão de obra. Para não incidir nessa vedação, o fornecimento do operador deve decorrer do contrato de locação dos bens móveis e ser meramente incidental – ou seja, não pode haver uma cessão efetiva, caracterizada pela necessidade contínua por parte da tomadora.

 

Neste mesmo sentido, na Solução DISIT nº 9095/2018, a RFB já havia adiantado essa mesma interpretação que, a propósito, foi expressamente amparada à anterior Solução de Consulta COSIT nº 64/2013:

Simples Nacional LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS COM OPERADOR. A locação de bens móveis é permitida aos optantes pelo Simples Nacional, independentemente do fornecimento concomitante de mão-de-obra, desde que: (i) ela seja necessária à sua utilização e (ii) a atividade não se enquadre em nenhuma das vedações legais à opção. Uma dessas vedações é à cessão de mão-de-obra. Para escapar a essa vedação, a cessão deve: (i) decorrer do contrato de locação dos bens móveis e (ii) ser meramente incidental, não efetiva (ou seja, não pode caracterizar-se pela necessidade contínua por parte da tomadora). SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA ÀS SOLUÇÕES DE CONSULTA COSIT Nº 64, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2013 [PUBLICADA EM 2014].

 

Destarte, percebe-se que a orientação da RFB também segue o que foi definido pelo STF nesse assunto, complementando com os impactos relacionados ao regime do Simples Nacional.

 

5 (NÃO) INCIDÊNCIA DO IRRF SOBRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS

Sobre a retenção do imposto de renda (IRRF), uma das suas hipóteses de incidência recai quando a fonte pagadora for qualquer órgão público, consoante artigo 64 da Lei nº 9.430/1996:

Art. 64. Os pagamentos efetuados por órgãos, autarquias e fundações da administração pública federal a pessoas jurídicas, pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços, estão sujeitos à incidência, na fonte, do imposto sobre a renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição para seguridade social – COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP.

 

Em que pese o dispositivo acima se referir literalmente apenas às fontes pagadoras federais, essa especificação aos órgãos federais foi objeto de discussão judicial por parte dos Municípios, que buscaram estender a retenção do imposto para as fontes pagadoras municipais (e estaduais), diante do interesse financeiro de tomarem para si esse IRRF.

Com efeito, os artigos 157, I e 158, I, ambos da Constituição Federal, preveem que pertencerá, respectivamente, aos Estados e Municípios, o produto da arrecadação do IRRF sobre rendimentos pagos, a qualquer título, pelos Estados e Municípios, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem. Logo, de olho nessa transferência constitucional, discutiu-se que deveria ocorrer essa retenção do imposto de renda não apenas nos pagamentos efetuados pela União, mas, também pelos Estados e Municípios.

O Plenário do STF julgou esse caso na sessão virtual de 11/10/2021 na Ação Cível Originária (ACO) nº 2897, rel. Min. Dias Toffoli, e no RE 1.293.453, rel. Min. Alexandre de Moraes, cuja tese de repercussão geral fixada (tema 1.130) foi a seguinte:

Pertence ao município, aos estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de Imposto de Renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos artigos 158, I, e 157, I, da Constituição Federal.

 

Essa retenção está regulada pela Instrução Normativa RFB nº 1.234/2012 (com redação alterada pela IN RFB nº 2.145/2023, que buscou adequar o IRRF à referida decisão do STF), com previsão de incidência do IRRF em duas situações: fornecimento de bens ou prestação de serviços:

Art. 1º. A retenção de tributos incidentes sobre pagamentos efetuados a pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços pelos órgãos da administração pública federal direta, autarquias, fundações, empresas públicas federais, sociedades de economia mista e demais entidades das quais a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social sujeito a voto, e que recebam recursos do Tesouro Nacional e estejam obrigadas a registrar sua execução orçamentária e financeira no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), obedecerá ao disposto nesta Instrução Normativa.

Art. 2º-A. Os órgãos da administração pública direta dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, inclusive suas autarquias e fundações, ficam obrigados a efetuar a retenção, na fonte, do imposto sobre a renda incidente sobre os pagamentos que efetuarem a pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços em geral, inclusive obras de construção civil.

 

Diante desse contexto, questiona-se: a locação de bens móveis está sujeita à essa retenção tributária? Nota-se que essa resposta depende de saber se a locação configura uma prestação de serviço ou, então, fornecimento de bens.

Conforme pacificado desde o RE 116.121 (10/2000) e ratificado pela LC 116/2003 e decisões posteriores do STF (Súmula Vinculante 31 e tema 212 com repercussão geral), a locação pura e simples não se configura como prestação de serviços.

Ademais, também foi visto que o STF, devidamente acompanhado pelo STJ, TJ’s e pela RFB, admitem a negociação combinada de locação de bens móveis associada a uma prestação de serviço. Neste caso, a parte relativa aos serviços deverá sofrer a incidência do IRRF aqui tratado.

Mas, e quanto à parte da locação? Incide o IRRF, sob o argumento de que, embora a locação de bens não seja uma prestação de serviço, essa atividade configura “fornecimento de bens”?

Nas pesquisas realizadas no STF, STJ, TJ’s e na RFB, não foi localizada nenhuma decisão ou solução de consulta que tenha enfrentado essa discussão.

De acordo com os artigos 2º, 6º e 141, da atual Lei de Licitações Públicas (Lei nº 14.133/2021), percebe-se que a locação de bens não se equipa nem à prestação de serviços, nem ao fornecimento de materiais:

Art. 2º Esta Lei aplica-se a: I – alienação e concessão de direito real de uso de bens; II – compra, inclusive por encomenda; III – locação; IV – concessão e permissão de uso de bens públicos; V – prestação de serviços, inclusive os técnico-profissionais especializados; VI – obras e serviços de arquitetura e engenharia; VII – contratações de tecnologia da informação e de comunicação.

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se: (…) X – compra: aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente, considerada imediata aquela com prazo de entrega de até 30 (trinta) dias da ordem de fornecimento; XI – serviço: atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse da Administração; (…) XV – serviços e fornecimentos contínuos: serviços contratados e compras realizadas pela Administração Pública para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongadas; (…) XLV – sistema de registro de preços: conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras

Art. 141. No dever de pagamento pela Administração, será observada a ordem cronológica para cada fonte diferenciada de recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos: I – fornecimento de bens; II – locações; III – prestação de serviços; IV – realização de obras.

 

Assim, entende-se que a locação de bens móveis não é fornecimento de bens, nem prestação de serviços; logo, não deve haver a retenção do IRRF sobre a locação de bens móveis pura e simples, e nem se estiver (legitimamente) associada a uma prestação de serviços.

 

6 LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS NA REFORMA TRIBUTÁRIA

A chamada “Reforma Tributária” tem avançado no Congresso Nacional, com totais chances de sua aprovação, inclusive ainda em 2023.

A PEC 45/2019 foi aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, que fez ajustes no texto original e, por isso, retornou para a Câmara dos Deputados.

Na parte que interessa ao presente ensaio, o projeto prevê a extinção do ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI, substituindo-se por três novos tributos: o imposto seletivo (IS, de competência federal; a contribuição federal sobre bens e serviços (CBS); e o imposto estadual-municipal sobre bens e serviços (IBS).

Quanto ao IS, de acordo com o inciso VIII a ser inserido no artigo 153 do Texto Constitucional, o projeto autoriza a criação de um imposto federal incidente sobre “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”. O texto da PEC 45/2019 ainda acrescenta um §6º no artigo 153 com o perfil desse novo imposto seletivo:

§ 6º O imposto previsto no inciso VIII terá finalidade extrafiscal e: I – não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações; II – incidirá sobre armas e munições, exceto quando destinadas à administração pública; III – incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço; IV – não integrará sua própria base de cálculo; V – integrará a base de cálculo dos tributos previstos nos arts. 155, II, 156, III, 156-A e 195, V; VI – poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos; VII – terá suas alíquotas fixadas em lei ordinária, podendo ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem; VIII – na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto.

 

Não haverá a incidência do IS sobre as locações de bens. Primeiramente, porque locação não é “produção, extração, comercialização ou importação”, e nem prestação de serviço. Por outro lado, como esse imposto seletivo incidirá somente uma única vez (§6º, III), caso o bem seja prejudicial à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de uma futura lei complementar, a incidência deverá ocorrer numa etapa anterior ao da locação como, por exemplo, na aquisição ou importação do bem destinado à locação. Mas, enfim, não haverá incidência do IS sobre a etapa ou a atividade de locação de bens móveis.

Por outro lado, no que tange ao chamado IVA-dual (CBS federal e IBS estadual-municipal), haverá a incidência desses prováveis tributos sobre a locação de bens móveis, uma vez que incidirão de forma ampla sobre bens e serviços, não mais atrelado a uma prestação de serviços (caso atual do ISSQN), nem a uma operação relativa à circulação de mercadoria (ICMS atual).

A propósito, eis o que dispõe o texto da PEC sobre esses dois tributos que incidirão sobre bens e serviços:

IBS:

Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. § 1º O imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte: I – incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços.

CBS:

Art. 195. (…) V – sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar. § 15. A contribuição prevista no inciso V do caput será instituída pela mesma lei complementar de que trata o art. 156-A e poderá ter sua alíquota fixada em lei ordinária. § 16. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V do caput o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI, VIII e IX, e §§ 6º a 11 e 13.

 

Portanto, o IBS e a CBS serão até mais do que uma mera fusão do ISSQN e do ICMS, pois contemplarão outras atividades que atualmente não estão nos campos de incidência desses atuais impostos, na medida em que compreenderão tanto as operações com bens materiais e serviço, como também as operações com direitos.

 

7 CONCLUSÕES

Após as considerações acima, é possível tecer as seguintes conclusões.

  • Locação de bens móveis não é prestação de serviço nem fornecimento de bens. Não deve sofrer retenção tributária federal (IRRF), por falta de previsão legal;
  • A locação de bens móveis pode estar associada a um serviço, sem perder a sua autonomia contratual, desde que os objetos contratuais combinados sejam claramente diferentes (= estejam claramente separados) e haja previsão expressa de contrapartida financeira apartada (aluguel + remuneração), cabendo a incidência do ISS sobre a prestação de serviços;
  • Essa divisão contratual demanda análise casuística, podendo ser desconsiderada por simulação, abuso ou, ainda, quando faltar a “clareza” em torno do objeto contratual e dos valores de cada atividade. O objeto social do contribuinte também é um critério para ser analisado, a fim de confirmar os contratos celebrados;
  • Esses entendimentos contam com precedentes judiciais do STF, STJ e dos TJs (matéria de direito), e da RFB (soluções de consulta), de tal forma que o “problema” ou insegurança jurídica permanecerá apenas nas questões de fato (análise dos contratos);
  • No âmbito do Simples Nacional, se o serviço associado à locação for uma cessão de mão de obra, o contribuinte será excluído do regime tributário diferenciado;
  • Uma vez aprovada e implementada a “Reforma Tributária”, a locação de bens móveis sofrerá a tributação da CBS e do IBS.

Além de trazer os resultados das pesquisas jurisprudenciais, o presente trabalho se propõe a incentivar novos debates e estudos sobre esse assunto da tributação da locação de bens móveis associada à prestação de serviço.

________________________

 

Autor: Omar Augusto Leite Melo

Advogado tributarista. Sócio do escritório Leite Melo & Camargo Sociedade de Advogados. Mestre em Direito, área de concentração “Sistema Constitucional de Garantias de Direitos” no Centro Universitário de Bauru/SP – ITE. Professor de Direito e Economia e de Direito Ambiental no Centro Universitário de Bauru/SP e Botucatu/SP – ITE. Contato: [email protected].